segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Muito escutei na infância: "Criança não pensa."


Criança pensa. Mas faz também algo mais importante, que amadurecendo desaprendemos: ela é. Contemplando uma mancha na parede, um inseto no capim ou a revelação de uma rosa, ela não está apenas olhando. Está sendo tudo isso em que se concentra. Ela é o besouro, a figura na parede, ela é a flor, o vento e o silêncio.
Da mesma forma ela é a frieza ou a angústia dos adultos, sua superficialidade e frieza ou seu amor verdadeiro.
E precisa que às vezes a deixem quieta, sem exigir que a toda hora se mexa, corra, fale, brinque, como se contemplação fosse doença.
A criança imersa em seu ambiente participa de um processo maior do que ela, no qual desabrocha com pouca paciência. Porém ela tem algo mais valioso do que consciência: tem intuição de tudo, tem o saber inocente.
Perderemos essa sabedoria da inocência na medida em que formos domesticados, necessariamente encaixados na realidade em torno.
Queiram os deuses que nesse processo de domesticação a gente consiga preservar a capacidade de sonhar. Pois a utopia será o terreno da nossa liberdade. Ou acabaremos como focas treinadas cumprindo corretamente nossas tarefas, mas soterrando aquilo que chamamos psique, eu, self, ou simplesmente alma.
Seremos roídos pela futilidade, tão mortal quanto a pior doença: ataca a alma, deixando-a porosa e quebradiça como certos esqueletos.
A alma com osteoporose.
Uma criança é sobretudo a sua própria dimensão na qual o tempo, os aromas e as texturas, as presenças e emoções são a sua realidade peculiar.
(...)
Compreendi que a aparente indiferença dos outros com minhas imaginações não era porque estivessem desinteressados ou eu não soubesse explicar direito. Era porque o pensado e o real não se distinguem nem cabem em palavras, e isso não se comunica.

Lya Luft
Waldeck - Memories 

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