segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Alice tratava os meninos com igualdade,


lavando-os e alimentando-os, mas deixando tudo
o mais aos cuidados do pai, que deixara bem
claro que a educação dos meninos, física e mental,
era de sua exclusiva competência. Ele não delegava
sequer os elogios e reprimendas. Alice nunca se
queixava, não discutia, não ria, não chorava.
Sua boca estava condicionada a formar uma linha
que nada escondia e também nada revelava. Mas
certa ocasião, quando adam era muito pequeno,
entrou silenciosamente na cozinha. Alice não o viu.
Esta cerzindo meias e sorrindo. Adam retirou-se
discretamente, saiu de casa e foi para um abrigo
no bosque, atrás de um toco de árvore que
conhecia muito bem. Acomodou-se entre as
raízes grandes e protetoras. Estava tão chocado
como se a tivesse encontrado nua. Sua respiração
era ofegante. Pois alice estava nua... já que
estava sorrindo. Não podia imaginar como ela
se atrevera a tamanha leviandade. E sentia um
anseio por ela, intenso e ardente. Não sabia do
que se tratava, mas era a longa carência de
abraços, carícias, fome de seio e de mamilo,
do prazer de um colo, da voz suave do amor
e da compaixão, da doce sensação de
ansiedade... tudo isso estava em sua paixão.
Não sabia, porque não tinha a menor idéia
de que tais coisas existissem. Assim, como
poderia sentir falta delas?
Claro que lhe ocorreu que podia estar enganado,
que alguma sombra insidiosa podia ter se
abatido sobre seu rosto, prejudicando-lhe a
visão. Tornou a projetar a imagem nítida em
sua mente e descobriu que os olhos dela
também estavam sorrindo. Uma distorção
de luz podia fazer uma ou outra coisa,
mas não as duas.
Passou então a espreitá-la, habilmente,
como fazia com as marmotas no outeiro,
estendido no chão dia após dia, inerte, como
se fosse uma pedra, observando os animais
mais velhos, sempre cautelosos, saírem com
os filhotes para o sol. Espionava Alice,
escondido, pelo canto dos olhos. E
constatou que era verdade. Às vezes, quando
estava sozinha e sabia disso, ela permitia que
a imaginação se divertisse num jardim e sorria.
E era maravilhoso observar como ela podia
rapidamente levar o sorriso pra o fundo da
terra, da mesma forma como as marmotas
escondiam os filhotes.
Adam ocultou seu tesouro no fundo do túnel
dos olhos, mas sentiu-se propenso a pagar
por sua satisfação com alguma coisa. Alice
começou a encontrar presentes na cesta
de costura, na bolsa surrada, debaixo do
travesseiro... dois cravos, uma pena de cauda
de azulão, meia barra de cera verde de lacre,
um lenço roubado. a princípio, alice ficou
aturdida. Mas isso logo passou. Ao encontrar
algum presente inesperado, o sorriso do jardim
faiscava por um instante e desaparecia, como
uma truta que atravessa um raio de sol no
remanso. Ela não formulava perguntas, não
fazia comentários.
Trecho do livro A Leste do Éden - John Steinbeck
Placebo-Running Up That Hill

Nenhum comentário:

Postar um comentário