só não compreendia o que estava sentindo.
Levemente, para não chamar a atenção de ninguém, apertou os dedos da mão direita na porta aberta do elevador e atravessou o saguão gelado, saindo para a rua. Apoiou-se no poste da esquina, com o vento fazendo esvoaçar os cabelos, e para evita-lo ele levantou a cabeça e viu o céu. Um céu tão claro que não era o céu normal de Sampa, com uma lua quase cheia e Saturno e Júpiter muito próximos. Não um moço vivendo, visto assim parecia mais pintado num óleo de Gregório tão nítido estava, ressaltado contra o fundo da avenida, e assim estava, mas sem compreender, fazia tempo. Quem sabe porque não evidenciava risco, a moça debruçou-se na janela lá em cima e gritou alguma coisa que ele não chegou a ouvir. Parado longe dela, a moça visível apenas da cintura para cima parecia um fantoche de luva, manipulado por alguém escondido, o moço no poste agitando a cabeça, uma marionete de fios, manipulada por alguém escondido. E de repente um carro freou atrás dele, o rádio gritando se Deus quiser, um dia acabo voando. Na cabeça dele soarem cinco tiros. De onde estava não conseguiria ver os olhos da moça. De onde estava, a moça não conseguiria ver os olhos dele. Mas as memórias de cada um eram tantas que ela imediatamente entendeu e aceitou, desaparecendo da janela no exato instante em que ele atravessou a avenida sem olhar para trás.
Caio Fernando Abreu
Pete Doherty - For Lovers
Levemente, para não chamar a atenção de ninguém, apertou os dedos da mão direita na porta aberta do elevador e atravessou o saguão gelado, saindo para a rua. Apoiou-se no poste da esquina, com o vento fazendo esvoaçar os cabelos, e para evita-lo ele levantou a cabeça e viu o céu. Um céu tão claro que não era o céu normal de Sampa, com uma lua quase cheia e Saturno e Júpiter muito próximos. Não um moço vivendo, visto assim parecia mais pintado num óleo de Gregório tão nítido estava, ressaltado contra o fundo da avenida, e assim estava, mas sem compreender, fazia tempo. Quem sabe porque não evidenciava risco, a moça debruçou-se na janela lá em cima e gritou alguma coisa que ele não chegou a ouvir. Parado longe dela, a moça visível apenas da cintura para cima parecia um fantoche de luva, manipulado por alguém escondido, o moço no poste agitando a cabeça, uma marionete de fios, manipulada por alguém escondido. E de repente um carro freou atrás dele, o rádio gritando se Deus quiser, um dia acabo voando. Na cabeça dele soarem cinco tiros. De onde estava não conseguiria ver os olhos da moça. De onde estava, a moça não conseguiria ver os olhos dele. Mas as memórias de cada um eram tantas que ela imediatamente entendeu e aceitou, desaparecendo da janela no exato instante em que ele atravessou a avenida sem olhar para trás.
Pete Doherty - For Lovers
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