sexta-feira, 31 de julho de 2015

Coçando a palma da mão

(alergia?), Souza observa, com fastio, a operação dos Civiltares para dominar bandidos com balas catalépticas
O ônibus chegou, a coceira voltou. Cruzei a borboleta, não havia lugares vagos. Normal, a essa hora. Cumprimentei pessoas que vejo aqui todos os dias, à mesma hora. Os novos são raros. Somos parte do S-7.58, nos permitem este, nenhum outro. É o que dizem as fichas de tráfego.
A ficha indica onde posso andar, os caminhos a percorrer, bairros
autorizados, por que lado de calçada circular, condução a tomar. Assim, somos sempre os mesmos dentro do S-7.58. Nos conhecemos todos, mas não nos falamos, raramente nos cumprimentamos. Viajamos em silêncio.
Sou exceção, grito meu bom dia, os rostos se viram aflitos, perplexos.
Depois se voltam para a paisagem, as calçadas congestionadas. Mais um louco, pensam. Todos têm certeza, serei apanhado ao descer. No dia seguinte se surpreendem, sem  demonstrar, quando apareço, cumprimentando.
Três pontos antes do final (deve ser dez e vinte) senti uma comichão
insuportável. Estava comprimido. Não podia olhar, nem levantar a mão.
Segurava a maleta com a esquerda, com a direita me apoiava ao varão.
Empurrado para a saída, me despedi. Claro que não responderam.
Acabei de descer, ouvi os estampidos. Secos, ocos. Tão conhecidos. Joguei me rápido ao chão, conforme severas instruções. Num décimo de segundo, todos em volta estendidos. Vivemos condicionados, nossos reflexos aguçados. Como aqueles ratos que vão comer ao ouvir a campainha.
Quantas vezes por dia me atiro ao chão nesta cidade. Se alguém filmasse durante algumas horas, sem registrar o som, veria uma daquelas velhas comédias de Harold Loyd, o Gordo e o Magro, Mack Sennet. Deita, levanta, deita, levanta. E os rostos? Todo mundo apavorado, tenso.
As pessoas disputam centímetros de calçada. Batem cabeças, se beijam, ficam rosto a rosto, cheiram o pó, se levantam imundas, xingam, protestam.
Teve um dia que levei duas horas para vencer duzentos metros até o escritório.
Deita, levanta. Foi tiro para tudo quanto é lado.

Ignácio de Loyola Brandão
Air - La Femme DArgent

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