quinta-feira, 7 de maio de 2015

Curriculum mortis


Acho curriculum vitae uma coisa boba. Sei que os burocratas sem eles sentiriam perdidos. Por amor aos burocratas e curiosos fiz uma concessão: coloquei o meu na minha homepage. Mas lhe dei um nome novo. Curriculum, em latim, quer dizer pista de corrida. Um curriculum vitae é, assim, uma enumeração dos lugares por onde se passou, na correria da vida. As coisas que eles registram não existem mais. O que é passado está morto. Assim, na minha homepage, ao invés de curriculum vitae eu escrevi curriculum mortis, porque eu não sou o meu passado. Eu sou o meu agora. De um pianista que vai iniciar o seu concerto não se espera que ele diga os nomes dos professores com quem estudou... Dele só se espera uma coisa: que se assente ao piano e toque...
... Ao final de uma entrevista o entrevistador me fez a última pergunta: “Como é que o senhor se definiria?” Fui pego de surpresa. A resposta teria de ser curta. Lembrei-me da frase que o poeta Robert Frost escolheu para seu epitáfio: “Ele teve um caso de amor com a vida...” Encontrei minha definição em mim mesmo. Respondi: “Eu tenho um caso de amor com a vida...”


Rubem Alves
Erica Campbell-Im a fan

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