sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Igual às estranhas mulheres dos quadros de Marc Chagall

Sabe-se lá por quê. Mas sempre que naquele pedaço de rua eu encontrava aquela mulher, tinha a impressão de invadir o tempo, devassando caminhos. Ela me parecia íntima e conhecida. Talvez porque me lembrava as estranhas mulheres dos quadros de Marc Chagall, cujas reproduções existiam na biblioteca de meu colégio. Eu munca compreendia muito bem se a lembrança de Chagall nascia das flores amassadas que ela exibia no decote, desafiando a minha imaginação de menina complicada; ou se estava em sua aparência fluida, que lembrava mais um vôo que os passos de uma pessoa comum; ou se era porque eu gostava dos trabalhos de Chagall a ponto de querer associar a eles tudo o quanto me impressionava com força. Mas ainda me lembro muito bem, como eu ficava absorta, prisioneira daquela figura esguia, imaginando as possíveis histórias dela, de seu mundo e duas exóticas paixões. E eu só podia mesmo compreendê-la como centro de uma tempestade ou experimentando emoções enormes. Isto, porque meio triste meio misteriosa, cada vez mais ela parecia um autêntico Chagall, da forma como eu entendia.
Todos os dias, ao sair do colégio, eu via a tal mulher e então parava, disfarçando uma arrumação urgente nos livros e apostilas ou simulando procurar alguma anotação num caderno qualquer, enquanto observava, com olhos cheios de disfarces, aquele seu jeito de seguir pela rua, como se existissem episódios urgentes e maravilhosos que ela precisava viver de um modo meio desesperado. Eu vou ser assim, toda mistério e tão estranha quanto ela, jurava para mim mesma. E nossos encontros que se davam sempre na mesma calçada, a mulher caminhando numa direção, eu em outra, se repetiram tantas vezes, que ela se tornou um pedaço da paisagem. A tal ponto sua imagem se impunha, que se eu tivesse de desenhar, descrever ou simplesmente pensar naquela rua, ela estaria lá, estaria sim... sutil e evasiva, mas sempre uma presença forte, instigante e inesquecível.


Regina Benitez
Hooverphonic .- Gravity

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