- Acho que deve ser uma Constituição
realista.
- Isso.- Nada de palavras bonitas mas que na prática não funcionam.
- Exato.
- Afinal, para alguma coisa deve valer a nossa experiência depois da última Constituição.
- Vamos incorporar à Constituição tudo o que aprendemos nesses anos todos.
- Fazer uma Constituição adaptada à realidade nacional.
- Perfeito.
- Acho que conseguiremos isso mantendo mais ou menos o texto constitucional como ele está, mas acrescentando, a intervalos, uma frase.
- Que frase?
- "Contanto que."
- "Contanto que?"
- Por exemplo: "Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido".
- Isso é básico.
- Mas não funciona. Falta o "contanto que".
- Como?
- Contanto que os eleitos pelo povo não representem uma ameaça muito grande a interesses estabelecidos e privilégios conquistados, não despertem dúvidas no contexto internacional quanto ao tradicional alinhamento do Brasil com certo bloco ideológico, não causem muito nervosismo nos quartéis e não venham de novo com aquela história de reforma agrária para valer, porque aí não dá.
- Isso não se parece muito com linguagem constitucional.
- Pode ficar: "Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido, contanto que o povo seja razoável".
- Ficou melhor.
- Onde consta que o Brasil é uma República Federativa e se fala na autonomia dos Estados também cabe um "contanto que".
- Qual?
- "Contanto que os Estados consigam viver com a ridícula parte que lhes cabe da arrecadação, porque isto não vai mudar, a União não vai abrir mão de um afeminado centavo e não adianta chorar."
- Sei não..
- Depois a gente bota em linguagem mais protocolar.
- Ah.
- Outra coisa. Os direitos dos cidadãos perante a lei.
- Também vai "contanto que"?
- Só vai. Todo brasileiro é igual perante a lei, contanto que não seja pé-de-chinelo, porque aí é culpado mesmo, ou rico, pois aí é considerado inocente até um bom advogado provar que é mesmo ou ele fugir do país, o que vier primeiro. Já corrupto, como se sabe, não é nem culpado nem inocente. Está acima dessas classificações banais.
- Como é que deve ficar na Constituição?
- Todos os pobres são iguais perante a lei, e se acharem ruim vão se entender com o delegado Irajá, o que não dá colher de chá.
- Não sei se...
- Está bem, a gente prefacia o artigo com uma citação em latim. Outra coisa. Onde diz que todo brasileiro tem direito a um salário mínimo que cubra seus gastos essenciais com comida, casa, transporte, etc.
- "Contanto que" nele.
- Claro. Contanto que não faça extravagâncias como comer todos os dias. É sabido que o que infelicita o brasileiro é a importação de hábito estrangeiros, como o de refeições regulares. Isso é colonialismo cultural, que não leva em consideração nossas peculiaridades, e precisa acabar.
- Como fica o texto constitucional?
- "Todo trabalhador brasileiro tem direito a um salário mínimo que assegure para si e sua família casa, comida e etc."
- Contanto que?
- "Não leve isto muito a sério".
Imagens Internet Google
Vídeo Criolo - Duas De Cinco
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